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'Mais dona de mim que nunca': repórter com deficiência conta como foi sua 1ª vez sozinha na praia

Eu estou acostumada a pegar minhas muletas e sair dando rolê por São Paulo, mas na praia esse ato era inédito — e foi bom demais

Viva a Vida|Brenda Marques, do R7

Brenda durante viagem para Fortaleza, no Ceará
Brenda durante viagem para Fortaleza, no Ceará Brenda durante viagem para Fortaleza, no Ceará

No fim do mês passado, eu aproveitei as férias do trabalho para fazer a minha primeira viagem sozinha de avião. Peguei um voo no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo (SP), para Fortaleza (CE), onde tenho várias tias-avós e primas.

Eu poderia falar sobre os perrengues que passei durante essa aventura por ser uma mulher com deficiência, das falas capacitistas que ouvi e do meu arrependimento por não ter pesquisado sobre passeios acessíveis na cidade. Mas isso é óbvio demais.

Prefiro contar como fui feliz por ir à praia sozinha pela primeira vez — e depois repetir a dose. Os dias em que isso aconteceu foram os meus favoritos.

Não me entendam mal. Eu adorei a companhia de mulheres da família com quem eu nunca tinha convivido. Mas saber que eu podia ir à praia sozinha e fazer — quase — tudo que eu queria sem me preocupar com os receios e a opinião alheia foi libertador: me deu uma sensação de autonomia que eu nunca tinha experimentado antes.

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Porque eu estou acostumada a pegar minhas muletas e sair dando rolê sozinha por São Paulo, mas na praia — o meu destino favorito — esse ato era inédito.

Quinta-feira sem limites

Escolhi a quinta-feira para essa empreitada. Esse é o dia mais badalado de Fortaleza, quando as barracas — que são muito diferentes e mais luxuosas que as de São Paulo, com direito a piscina e lounge —- ficam abertas até meia-noite.

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Mas a escolha não foi premeditada. No fundo, percebo que levei três dias pra me encorajar a pisar na areia com as muletas e o meu All Star, somente com a minha companhia. Na quarta, havia ido a uma barraca, mas me limitei a sentar em um banco no lounge e tomar duas caipiroskas — uma de morango e a outra de kiwi —, enquanto observava o mar de longe. Fiquei ali por cerca de duas horas e meia.

Na quinta, porém, eu fui sem limites. Saí do apartamento da tia Ireneide por volta de 1 da tarde, depois de ouvir os avisos dela sobre os perigos e a violência de Fortaleza — que não testemunhei em nenhum dos meus 13 dias de viagem — e só voltei depois da meia-noite.

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Chamei um carro de aplicativo e cheguei à Praia do Futuro. Estava de biquíni, saia jeans, All Star vermelho, bolsa de crochê, máscara e muletas.

Escolhi ir à barraca Marulho porque as fotos no Instagram me passaram uma vibe bem juvenil e porque havia cadeiras e mesas próximas ao mar, o que não é tão comum por lá. Fiquei ainda mais feliz por ver uma placa de "acessibilidade" no painel que mostrava os serviços disponíveis no local.

Logo na entrada, Mari, uma das funcionárias da Marulho, me deu as boas-vindas e pediu meu comprovante de vacinação.

Depois de mostrar que eu estava devidamente imunizada, andei por uma rampa que começava no restaurante e se estendia até uma grande faixa de areia.

Eu estava admirada com o mar, o céu azul e toda a infraestrutura do lugar, no maior estilo hippie chique. Ali, naquele momento, me senti mais dona de mim do que nunca.

Admirar o mar — mas não mergulhar

Decidi me acomodar em duas mesas com cadeiras de plástico — as últimas do lado direito. Porque ali eu ficava o mais próximo possível do mar. Para começar os trabalhos, pedi logo uma garrafa de cerveja.

Ao meu lado esquerdo, estavam três homens e uma mulher. Descobri, mais tarde, depois que deixamos a areia e fizemos amizade, que eles eram de Belo Horizonte (MG).

Passei a tarde do jeitinho que eu gosto: olhando o mar e bebendo cerveja. Também recusei os mais diversos produtos — de carregador portátil a vestido bordado — que ambulantes cheios de lábia tentavam me vender.

Ainda pude observar com um sorriso duas pessoas cadeirantes terem o prazer de ir até o mar com a ajuda de familiares e profissionais.

Pessoas cadeirantes curtindo a praia com o apoio de profissionais
Pessoas cadeirantes curtindo a praia com o apoio de profissionais Pessoas cadeirantes curtindo a praia com o apoio de profissionais

Eu sou do tipo que chega à praia e fica no mar o máximo de tempo possível. Amo mergulhar na água salgada, com a adrenalina de bater de frente com as ondas ou passar por baixo delas.

Mas não dá para explorar os oceanos com as muletas. Então, tudo isso só é possível se alguém me ajuda a entrar no mar e a chegar até uma profundidade onde consigo me equilibrar sozinha — o que acontece quando a água fica acima da minha cintura.

Só que dessa vez eu apenas observei o mar. E passei uma imensa vontade de sentir suas águas. Um desejo que não saciei porque fiquei com vergonha de pedir ajuda profissional para chegar até lá. Talvez, se eu tivesse visto outra pessoa com deficiência que usa muletas sendo amparada, teria sido diferente.

Mas não foi. E a minha primeira vez sozinha na praia foi totalmente fora do habitual. Porque só admirei — mas não senti o vaivém delicioso e impetuoso das ondas.

Não que isso tenha estragado o rolê praiano. Pelo contrário, foi tudo incrível e memorável.

Show, cerveja e beijo

Depois de passar a tarde bebendo diante do espetáculo que é a mistura do azul do céu com o azul do mar, os serviços na areia se encerraram e foi preciso ir para mais perto da barraca.

O caçula da turma de mineiros me ajudou ao carregar meu tênis enquanto eu andava descalça, afundando as muletas na fofura da areia.

Depois, sentamos todos à mesma mesa. Um show começaria em breve.

Entre uma garrafa e outra de cerveja, conversamos, falamos da vida, demos risada e tiramos fotos. Eu ainda bebi uma caipiroska de morango, me empolguei e soltei a voz desafinada quando a dupla que estava no palco ao ar livre começou a cantar músicas do Charlie Brown Jr, minha banda favorita na adolescência.

Descobri que os quatro mineiros eram colegas de trabalho. A mulher e um dos homens são namorados. O outro é recém-separado. O mais novo e eu nos beijamos depois de trocar muita ideia.

Mas não lembro exatamente como foi o diálogo. Só sei que gravamos um vídeo juntos, ele me contou que gosta de ouvir Poesia Acústica e perguntou qual era "o meu tipo de cara". O papo rolou até que eu disse "então vamo se beijar" — e aí aconteceu.

Fomos embora depois que o show acabou, quando o dia já tinha virado noite, e praticamente fechamos a barraca.

A bateria do meu celular acabou e um dos meus novos amigos chamou um carro de aplicativo para que eu pudesse ir embora.

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Sozinha e livre — mais uma vez

Quando cheguei ao apartamento, tia Ireneide estava preocupada e falava com minha mãe — que estava tranquila porque conversamos por mensagens mais cedo — via chamada de vídeo.

— Oi, tia — cumprimentei, diante do batente da porta do quarto dela.

— Ela chegou, Dani! Vai dormir — avisou ela para minha mãe.

Depois, falou brevemente comigo e disse que da próxima vez eu deveria chegar antes das 11 da noite, caso contrário, ela e Luciene, a empregada que faz tudo na casa, estariam dormindo.

Concordei, fui para o quarto ao lado, troquei de roupa e capotei, tomada por embriaguez e felicidade.

Uma semana depois, teve a parte dois da série "livre e sozinha na praia" — e foi ainda melhor. Conheci gente nova. Entrei no mar de mãos dadas com elas. Bebi cerveja e um drinque que parecia chá mate gelado com um leve gostinho de álcool.

Tive uma espécie de encontro romântico bom — e totalmente inesperado — na areia. Conversas, risos, flertes e bebidas entre a brisa e a visão do mar. Beijei muito na boca e me encantei. Mas essa é outra história.

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