O voluntariado fez e faz parte da minha vida desde sempre e de diversas formas diferentes. Por termos passado necessidade inúmeras vezes durante a minha infância, chegamos a receber doações de terceiros, o que nos ajudava muito. Roupas, sapatos, brinquedos, livros, material escolar. Tudo usado, mas em bom estado, recebido com muita alegria e tratado com todo cuidado, afinal, depois de usarmos, sabíamos que também deveríamos doar a outras crianças.
Mais tarde, ciente do quão importante é estender a mão ao próximo e vivendo uma realidade financeira totalmente diferente, passei a atuar como voluntária em diversos projetos, doando tempo, expertise profissional e, principalmente, dinheiro. Ao me tornar mais atuante, percebi que grande parte dos doadores não foca nas necessidades das pessoas ou das instituições que pretendem ajudar. O que prevalece é apenas o desejo de aliviarem sua consciência.
Passei a testemunhar o que eu nem sequer sabia que existia: a solidariedade inútil. Pessoas entravam em contato constantemente para pedir a retirada de móveis com cupim, todo tipo de objeto quebrado e eletrodomésticos tão danificados e antigos que afastavam qualquer possibilidade de conserto.
As doações de empresas não são muito diferentes. Presenciei vários casos, mas um dos que mais me chamou a atenção foi o de uma indústria que ofereceu a doação de cem calçados. Ao recebermos a doação, nos deparamos com cem pés direitos e nenhum pé esquerdo. Ao solicitarmos a troca de 50 pés direitos por 50 esquerdos – e assim poder formar os pares – fomos informados de que a remessa estava correta, pois os pés esquerdos saíram com defeito e foram descartados, sobrando apenas os pés direitos para a doação.
Assim como as pessoas querem apenas livrar suas casas do lixo acumulado, algumas empresas também querem facilitar seus descartes sem ter de gastar nenhum real para isso e sem ter de executar qualquer trabalho. E, de quebra, ainda desfrutarem da sensação de terem feito o bem.
Infelizmente isso não ocorre somente aqui no Brasil. Hoje mesmo, soube de uma sobrevivente do terremoto na Turquia que boa parte das doações não estão ajudando, pois tratam-se de muitas roupas de verão – para pessoas que perderam tudo em pleno inverno chuvoso – e um grande número de sapatos de salto alto, principalmente de festa, que geralmente ficam encostados no fundo de algum armário.
O que precisamos entender é que ajudar verdadeiramente pessoas ou instituições é oferecer o que elas precisam e não o que queremos, nem muito menos coisas das quais queremos nos livrar. É preciso ter mais sensibilidade, mais empatia e mais bom-senso se realmente queremos estender a mão a alguém, além de compreendermos definitivamente que o voluntariado não existe para benefício de quem doa, mas sim, de quem recebe.
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