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Análise: Empatia no mundo virtual, julgamento no real

Se o mundo fosse parecido com as frases de efeito publicadas nas redes sociais viveríamos em um paraíso, mas estamos muito longe disso

Patricia Lages|Do R7

Empatia é algo muito falado atualmente, mas pouco praticado
Empatia é algo muito falado atualmente, mas pouco praticado Empatia é algo muito falado atualmente, mas pouco praticado

Um casal de jovens bonitos e bem vestidos parece feliz enquanto aguarda o embarque internacional brincando com o filho pequeno no saguão do aeroporto. Ao ouvir a chamada para o voo, os três se dirigem ao corredor, mas a criança se desespera ao perceber que seu pai não os acompanhará na viagem.

O que começou com um choro compreensível foi aumentando à medida que o pai se distanciava. O menino se vira contra a mãe com gritos, urros, tapas, socos e pontapés e, claro, todos param para assistir ao ataque violento de uma criança tão pequena a uma mãe que parecia não ter a menor autoridade sobre ela.

“Foi só o pai virar as costas para o menino deitar e rolar pra cima da mãe... que tonta!”

“Quem não dá educação em casa passa vergonha na rua, filha...”

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“Que horror! Nunca vi uma coisa dessas... que falta de pulso!”

“Se com esse tamanho já bate na mãe, imagina quando crescer!”

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“Se fosse meu filho ia ver só uma coisa... Ah, se fosse meu filho!”

“Moça, faça essa criança parar. Não vê que está incomodando todo mundo?”

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A mãe, de tão envergonhada, não havia percebido que estava toda arranhada, despenteada e com a roupa rasgada. Sua atenção estava em tentar conter a fúria repentina do filho – a qual nem ela compreendia – para que não machucasse os passageiros. Mas é claro que as pessoas deixaram bem claro que sua imagem estava pior do que imaginava, assim, ela poderia se sentir ainda pior.

Cansada, ofegante e toda machucada, ela olha para os lados e vê sua bolsa atirada longe. Peço para alguém pegar para mim? Vou lá e largo o menino? Tento levá-lo comigo? Ela simplesmente não sabia mais o que fazer. Voltar para casa não era possível, pois a viagem era inadiável. Além disso, o pai tinha um compromisso importantíssimo e ela não queria preocupá-lo ainda mais.

Uma mão pesada em seu ombro a traz de volta de seus pensamentos e ela vê um homem de uniforme: o comandante. “Senhora, tenho três opções para esse problema. Primeira: a senhora controla o seu filho e entra no avião de uma vez. Segunda: desista da viagem e aguarde a devolução da sua bagagem. Terceira: permita que nós façamos o embarque dele e possamos seguir com o voo que, aliás, já está atrasado por conta da senhora e do seu filho. O que a senhora quer?”

Ela escolhe a opção três e assiste, incrédula, a vários homens amarrando seu filho a uma maca. A criança se debate, grita, perde o ar, fica roxa, enquanto os passageiros assistem a tudo com uma satisfação inacreditável. “Agora sim, quero ver bater em mais alguém! Vai garoto, força, grita agora! Só está recebendo o que merece, quem sabe agora aprende?”

A mãe embarca em um voo de onze horas toda suja, rasgada, envergonhada e ouvindo todo tipo de insulto. Sem levantar a cabeça, ela segue calada, caminhando ao lado de dois homens que carregam a maca com seu filho amarrado, que continua gritando sem parar.

Inesperadamente uma campainha do avião toca, o menino se acalma e dorme quase que de forma instantânea. A mãe chora pelo filho, chora de vergonha, chora porque não sabe o que mais pode acontecer. Ela pede para desamarrem o menino, mas “por precaução” ele fará a viagem toda assim, atitude apoiada por todos os passageiros que, aliás, demonstraram uma criatividade enorme para sugerir formas de como educar melhor o filho dos outros.

Essa é uma história verídica, de uma amiga que se julgava a pior mãe do mundo ao dar ouvidos à forma como a maioria das pessoas a rotulava. A longa viagem da Europa para o Brasil era para uma bateria de exames a fim de diagnosticar por que seu filho não era igual às outras crianças. Foi aqui em São Paulo, em uma instituição especializada que, de graça, o menino foi diagnosticado com autismo. Somente nesse momento, depois de anos de angústias e julgamentos, que a mãe percebeu que todos estavam errados, inclusive ela mesma. Ela não era uma péssima mãe, seu filho não era um problema e as pessoas não tinham razão. Eles precisavam de respostas, não de palpites.

Empatia, caros amigos, é apenas uma palavra bonita que está na moda no mundo todo. Na vida real o que vale mesmo é o julgamento, o prazer de testemunhar os infortúnios dos outros e, sempre que possível, deixar claro o quanto as pessoas se acham superiores às demais. Se os seres humanos pudessem usar apenas os verbos que efetivamente conjugam, empatia correria o risco de ser extinta do dicionário. Que todos nós possamos falar menos e fazer mais.

Autora

Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.

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