Patricia Lages Análise: mistura para bolo instantâneo e o autoengano

Análise: mistura para bolo instantâneo e o autoengano

Lançada em 1947, mistura para bolo foi um fiasco por não entender que o consumidor queria era enganar a si mesmo

Proposta da 1ª mistura instantânea era despejar o pó em um recipiente, adicionar água e mexer

Proposta da 1ª mistura instantânea era despejar o pó em um recipiente, adicionar água e mexer

Reprodução

Depois de quatro longos anos de estudos, a General Mills lançou, nos Estados Unidos, o que chamamos hoje de bolo de caixinha. A proposta da primeira mistura instantânea era despejar o pó em um recipiente, adicionar nada mais do que água e mexer. Inclusive, o slogan da campanha publicitária dos “bolos frescos Betty Crocker” se resumia a isso: “Apenas adicione água e misture” (Just add water and mix).

Porém, o produto que tinha tudo para ser um sucesso, até por vir logo após o êxito das panquecas instantâneas, foi um verdadeiro fiasco. Para entender o que estava se passando na cabeça do consumidor, a General Mills encomendou uma pesquisa de mercado e contratou um grupo de psicólogos para analisar as respostas.

A questão toda girava em torno dos ovos em pó que vinham na mistura. Apesar de ter leite, óleo e frutas em pó, na cabeça da dona de casa americana de 1947, ovos em pó não podiam fazer parte de um “bolo fresco”, portanto, preparar esse tipo de receita para a família representava oferecer uma espécie de mentira.

Além disso, as consumidoras relataram que o preparo de um bolo é um ato de amor e que colocar apenas água era muito pouco para expressar esse apreço pela família. Elas queriam praticidade, mas não a ponto de se sentirem inúteis ou, até mesmo, enganadoras. Elas queriam poder dizer “eu que fiz”, logo, não podia ser tão fácil.

Diante disso, a empresa retirou os ovos em pó da mistura, reformulou toda campanha publicitária e adotou um novo slogan: “A mistura para bolo Betty Crocker traz aquele prazer caseiro especial, porque você mesma adiciona os ovos!”

O produto não só foi um sucesso naquela época, como está na prateleira de todos os supermercados até hoje. Há versões que propõem adicionar, além dos ovos, leite e manteiga, o que dá a sensação de ter preparado um “bolo caseiro”. Apesar de dar praticamente na mesma, esse “trabalho extra” faz tudo parecer diferente.

É esse ingrediente extra – que atua como uma espécie de autoengano – que tem feito a mistura para bolo ser um sucesso há 75 anos. Mas, para além de um inofensivo truque culinário, o autoengano tem alimentado comportamentos altamente nocivos às pessoas, tanto individualmente, quanto coletivamente. Ele pode até proporcionar uma impressão de bem-estar, mas sempre será apenas isso: uma impressão tão leve quanto o pó.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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