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Análise: Nova Torre de Babel confunde e polariza

Apesar de termos uma única língua no país, as pessoas se entendem cada vez menos causando conflitos que inevitavelmente acabam em divisões 

Patricia Lages|Patricia Lages, do R7

Torre de Babel
Torre de Babel Torre de Babel

Há alguns anos eu participava de diversos movimentos de empreendedorismo feminino dando palestras e ministrando cursos. Estar inserida em grupos de mulheres com o mesmo objetivo era muito bom, pois todas buscávamos o crescimento dos nossos negócios visando melhorar nossas famílias, nossa comunidade e, de alguma forma, fazer a diferença na sociedade.

Porém, com o passar do tempo, os objetivos foram se desvirtuando e algumas mulheres começaram a “falar outras línguas”. Aos poucos, os assuntos profissionais passaram a dar lugar a discursos de vitimismo, de ódio aos homens e de muita crítica às próprias mulheres que tentavam manter as conversas ainda na “língua anterior”.

Ao final de cada palestra, quase sempre reservávamos tempo para uma sessão de perguntas e respostas ou para que alguma das mulheres presentes contasse sua história de superação para inspirar às demais. Lembro-me particularmente de uma empreendedora que pediu a palavra para fazer uma espécie de despedida. Ela contou sua experiência descrevendo detalhadamente as dificuldades para sua microempresa crescer, os desafios de pagar as funcionárias e os impostos e driblar todo tipo de desafio que só quem empreende conhece.

Depois de toda explanação, que refletia bem o que todas nós passávamos, essa empreendedora revelou sua mais nova decisão: abandonaria o negócio pelo qual lutou tanto para cuidar de seu maior projeto, seus filhos. Ela contou que a empresa a havia afastado demais do primeiro filho, que havia sido cuidado pelas avós e por várias babás ao longo dos anos. Ela não viu a criança dar os primeiros passos, não reconhecia o que os diferentes tipos de choro significavam e não estava lá para ouvir suas primeiras palavras. E, apesar de ter sido uma experiência ruim, era exatamente isso que estava acontecendo novamente com o segundo filho, de apenas alguns meses de vida. Ela não estava disposta a viver tudo aquilo de novo e, ao dizer isso, fez uma pausa para os aplausos, mas houve apenas silêncio.

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Sem graça, tentou retomar a fala, porém, o clima de empatia e admiração mudou totalmente, dando lugar a uma avalanche de críticas. As primeiras falas foram tímidas e em tom contido: “Amiga, como você pode jogar tudo para o alto assim? E as suas funcionárias, e o seu futuro?” Mas, à medida que outras mulheres foram aderindo às críticas, o volume foi aumentando e a situação beirou o tumulto.

“Meu Deus! Eu não estou ouvindo isso... sério.... Vocês estão acreditando que isso está sendo falado em pleno século 21? Lamentável!”

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“Querida, o seu primeiro filho morreu, por acaso? Ele tem uma mãe empresária para admirar, mas você quer tirar isso dele. Com que direito?”

“Você quer ser quem? A pessoa que faz papinha e troca fralda? Você acha que é isso que seus filhos querem, uma mulher anulada e vazia?”

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Em vão a empreendedora tentou explicar o quanto sua ausência foi prejudicial ao desenvolvimento do primeiro filho e que nenhum dos brinquedos caros havia compensado sua ausência. Ela tentava fazer as outras mulheres entenderem que aquelas crianças que chamava de filhos eram, na verdade, desconhecidos. Eram apenas pequenos seres que ela deixava dormindo pela manhã e encontrava dormindo no começo da noite, quando chegava em casa. Não era uma rotina real de mãe e filhos e ela estava determinada a priorizar o que julgava ser mais importante: as vidas que ela e o marido haviam decidido trazer ao mundo.

Mas, em meio à confusão instalada, ninguém ouvia ninguém. Instintivamente as mulheres começaram a levantar de seus lugares e a se reorganizarem em grupos: as mais exaltadas que ofendiam abertamente, as críticas moderadas que discordavam com um pouco mais de cordialidade e umas quatro ou cinco que apoiavam a decisão da mãe, mas preferiram manter silêncio para não se tornarem igualmente vítimas dos ataques.

O feminismo é assim: defende apenas as mulheres que rezam segundo a sua cartilha e não faz a menor cerimônia em humilhar as que falam uma língua diferente. Não é em prol da mulher, não é nem mesmo em prol da igualdade de gênero, mas sim, em favor de uma ideologia que tenta implantar – na base da imposição – o conceito de que a mulher deve negar tudo o que faz parte de sua essência. Mulher que cuida da casa, cria os filhos e respeita o marido é, na visão feminista, uma pobre coitada, um ser desprezível que não passa de uma Amélia e que ainda não acordou para a vida. Essa merece ser xingada, ofendida, ridicularizada e posta de lado.

Diante disso, não foi possível continuar participando dos grupos, pois a construção daquela Torre de Babel chamada feminismo instalou línguas estranhas em nosso meio. Quando há uma única língua, não há nada que impeça a realização daquilo que nos propusermos a fazer, mas quando os discursos se polarizam e não há mais concordância, a divisão é um passo natural.

É curioso, para dizer o mínimo, que o ser humano se ache tão evoluído ao mesmo tempo que repete comportamentos registrados desde os primórdios da história. E a pergunta que me faço quase todos os dias é: será que realmente estamos evoluindo?

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