Na última quinta-feira (29), um vídeo circulou nas redes sociais mostrando um carro de som, em uma feira de Fortaleza (CE), com um áudio pedindo a Jamile Queiroz que perdoasse uma dívida de R$ 350 de sua irmã, Brena Queiroz. Enquanto o locutor explicava nos alto-falantes que a devedora não tinha como pagar, ela mesma exibia um cartaz com os dizeres “Jamile, perdoa os 350,00”.
A dívida foi feita em março, quando as irmãs foram comprar roupas juntas, e Brena, sem ter como pagar, pediu a Jamile que passasse o seu cartão de crédito. O total gasto chegou aos R$ 350, incluindo uma blusa que não lhe servia. "Comprei a blusa com o intuito de emagrecer, mas não deu e eu vendi para uma amiga minha. Com o dinheiro, eu ia pagar o cartão, mas quando chegou o dia do pagamento, ela não me pagou e eu disse que não ia pagar”, contou Brena ao UOL Notícias.
O vídeo, gravado no dia do aniversário de Jamile, começa com a devedora resumindo o assunto: “Melhor maneira de pedir perdão por uma dívida”. Em seguida, o carro de som anuncia “uma linda surpresa” para Jamile e apela: “Perdoe a sua irmã que está lhe devendo R$ 350. Perdoe, ela não tem como pagar. Até porque ela não obrigou você a comprar!”.
Brena aproveita a ocasião para explicar à irmã, usando os alto-falantes, o motivo de não pagá-la: “O dinheiro que eu tinha, que eu ia te pagar, eu contratei o carro. E no dia que tu foi comprar, foi um risco que tu correu”. Para pagar os R$ 200 cobrados pelo serviço de mensagens, Brena pegou emprestado o cartão de uma tia. Embora o caso tenha sido tratado com muito bom humor, tanto por Jamile — que disse perdoar a irmã, mesmo com a dívida atual ultrapassando os 1.000 reais — quanto pelo público da feira da rua José Avelino, em que ambas trabalham, ele é também um exemplo de como muita gente não leva a vida financeira a sério.
O que dizem as estatísticas
Diversos estudos indicam que o segundo maior gasto dos brasileiros vem de compras não planejadas. Como os dados do Censo do IBGE são ainda de 2010 (o levantamento é feito a cada dez anos, mas foi adiado em 2020 devido à pandemia), a Geofusion reuniu um time de geógrafos, cientistas e engenheiros de dados, estatísticos e economistas para atualizar diversas informações, entre elas o potencial de consumo.
Segundo essas atualizações, o maior gasto é com habitação, que leva 25% da renda dos brasileiros, e, em segundo lugar, consumindo 18% do orçamento, estão “outras despesas”, que se referem a gastos como: cuidados pessoais (cabeleireiro, barbeiro, manicure/pedicure etc.); contratação de serviços (sapateiro, costureira, relojoeiro, tintureiro, advogado, despachante, contador etc.); jogos de azar e apostas; produtos e alimentos para animais; tarifas bancárias; empréstimos, financiamentos e carnês (incluindo juros por atrasos).
É importante destacar que nessa classe de gastos não estão incluídas despesas com alimentação (dentro ou fora de casa), produtos de higiene pessoal, transportes (com veículo próprio ou coletivo), medicamentos e despesas com saúde, vestuário e calçados, artigos de limpeza, lazer e cultura, entre outras.
Dizer que os brasileiros não têm dinheiro porque gastam muito com comida e remédio não condiz com a realidade, pois as despesas com medicamentos não chegam a 5%, enquanto a alimentação no domicílio consome cerca de 9% do orçamento. É óbvio que há uma parcela da população cuja renda não é suficiente para o básico, porém devemos lembrar que no Brasil, apesar de ser um país com realidades diversas, há um ponto de conversão: quase ninguém aprendeu educação financeira.
Brena não é a única que gasta o que não tem para comprar coisas totalmente inúteis — como uma peça de roupa que nem sequer é do seu tamanho — e que, em vez de pagar o que deve, faz mais dívidas igualmente inúteis em nome de terceiros. Por outro lado, Jamile não é a única inadimplente que viu uma dívida triplicar em apenas seis meses.
As irmãs não parecem estar preocupadas em saldar os débitos, ter o CPF limpo e manter as finanças em ordem. Com o nome negativado e sem nenhuma reserva financeira, o que acontecerá com essa família caso haja qualquer imprevisto?
Esse tipo de comportamento, que culmina na inadimplência (situação de mais de 67 milhões de brasileiros), é uma das causas de as taxas de empréstimos e financiamentos serem tão altas no Brasil e de os juros do cartão de crédito estarem entre os mais altos do mundo.
Atitudes como essa prejudicam o país todo, visto que o bom pagador sempre acaba arcando com a conta de quem não honrou suas dívidas. É preciso que haja, por parte tanto dos governantes como da população, a conscientização de que a educação financeira é a base para sair não só da ignorância econômica, mas também da pobreza.
E, para ilustrar quanto estamos longe disso, apenas cerca de 1% do orçamento dos brasileiros é investido na compra de livros e material escolar. Há muito caminho pela frente, logo, é preciso que comecemos a andar.
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